Nove horas de uma quinta-feira, faz umas horinhas que eu cheguei do escritório decidida a escrever um post sobre essa nova empreitada de um EP por mês da ex-líder no 9MUSES, Ryu Sera. Quer dizer, ela faz música de forma independente há um bom tempo, mas eu acho que é a primeira vez que ela experimenta coisas fora do escopo “baladas emocionantes e música de elevador”. Daí foi só o hag promoter postar algo sobre o comeback dela no Twitter pra eu cair numa espiral de ansiedade em querer expor tudo que eu penso a respeito desse lançamento.
Nem vou embromar mais um parágrafo pra ir logo.
Burger ate Pizza é toda esquisita, a começar pelo título. Eu até pensei que podia se tratar daqueles casos de atribuir faixas erradas pra artistas com o mesmo nome, mas o vídeo é do canal oficial da Sera e, juntando com as respostas do tweet do hag promoter sobre como a letra não fazia o menor sentido, minha curiosidade só aumentou. De fato: não existe uma só frase coerente nessa música. E, ainda assim, nesse batidão R&B eletrônico meio Luciana Mello nos anos 2000, a Sera entregou conceito e coesão.
Só de ouvir os primeiros segundos de Burger ate Pizza, eu associo como uma versão mais pop de tudo que a Lizzie Fraser fez durante os anos mais produtivos do Cocteau Twins, banda de dream pop escocesa que perdurou, entre socos e processos de divórcio, durante os anos 80 e 90. Isso porque a característica principal do Cocteau Twins, aquilo que torna o grupo inigualável e inconfundível, é o trabalho vocal da Lizzie, cujas composições variam de semi-frases em inglês a cacofonias praticamente incompreensíveis.
Muitas pessoas ao longo dos anos tentaram descobrir o motivo da Lizzie cantar dessa forma. Alguns dizem que é como se as emoções superassem a barreira da linguagem e transbordavam de um jeito que abraçavam a música, como se a voz por si própria fosse um instrumento e se mesclasse com o ritmo. Outros afirmam que ela tem o dom bíblico de falar em línguas, tecnicamente chamado de glossolalia religiosa; não é por menos que críticos a chamam de “a voz de Deus”, principalmente por conta dos agudos líricos absurdos que ela solta nas faixas como se fosse algo fácil. De todas as maneiras, o Cocteau Twins é a banda mais sinestésica que você vai conhecer.
E aí é onde entra a Sera na história toda. Burger ate Pizza pode ter um significado. Ou mais de um. Ou até mesmo nenhum. Mas ela embarca nessa de deixar com que as palavras assumam o ritmo da música até tudo se tornar uma coisa só. É o cérebro trabalhando subconscientemente, sonhando acordado, dizendo tudo aquilo que surge na cabeça quando a próxima nota toca. É uma viagem fantástica que jamais veria a luz do mainstream, e muito menos poderia ser apreciada pelo kpopper médio, mas é um ótimo exemplo pra mostrar a forma como a Sera entende e enxerga a música como um todo. Deve ser um dos lançamentos mais curiosos do ano até o momento.
Escute também: Heaven or Las Vegas
Não vou recomendar nada do EP da Sera porque, pra cumprir com o propósito do post, eu quero que vocês conheçam essa faixa do Cocteau Twins, que ilustra muito bem o que eu e o restante das pessoas querem dizer quando falamos da Lizzie. Heaven or Las Vegas é o lançamento mais comercial da banda, um dos singles do bem-sucedido álbum de mesmo nome. Nesse ponto, você já deve ter entendido, mas vale ressaltar: ler a letra não adianta, porque o papel dela é complementar o sentimento de euforia de se conquistar qualquer coisa importante, tão angelical quanto alcançar o céu ou pisar em Las Vegas, conhecida como a cidade do pecado, pela primeira vez. Ou não, a interpretação vai de cada um. O meu objetivo é correlacionar o trabalho do Cocteau Twins com essa nova da Sera, ainda que soe menos orquestrado e elaborado do que a banda. É uma empreitada musical interessante, no mínimo.
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