Seguindo a linha de que somente a destruição dos homens vai nos trazer paz, o (G)I-DLE convida você a pensar fora da caixinha com Nxde

Você pode até não concordar, por questão de gosto e tal, mas quando falamos de veteranas da quarta geração, o (G)I-DLE é o grande grupo da atualidade. Com apenas quatro anos de existência, o atual quinteto foi do céu ao inferno, ressuscitou feito uma fênix e passeou por diversos conceitos graças à visão de mundo diferenciada da Soyeon. Nem quando pareciam estar prestes a disbandar elas largaram o osso; pelo contrário, fizeram da dor arte crua e violenta, o que resultou em um dos melhores pops coreanos dos últimos tempos.

E agora, prometendo revolucionar mais uma vez, o (G)I-DLE aparece com Nxde, que pelos teasers soavam como uma música de cabaré dos anos 20-30, com um inglês horrendo da Soyeon que, gramaticalmente, não faz o menor sentido, enquanto arranhava as teclas do piano. Ou seja: um potencial bop que, até pode não substituir Tomboy em grandeza, mas um comeback dessas queridas sempre deixa uma marca definitiva em mim. 

Que filosofia barata e maluca Nxde reserva para essa blogueira mequetrefe que vos fala? 

Musicalmente, Nxde não muda muita coisa no eixo do planeta. Achei a construção bem interessante, mas ela falha em alguns pontos cruciais, como algumas linhas em inglês travado e sem coerência ou quando, de repente, o pré-refrão tenta evocar o espírito de Tomboy de novo com uma guitarra que ameaça, mas nunca acontece de fato. No conjunto total, esses elementos fazem com que eu não goste tanto quanto eu queria da faixa, e até perca o interesse (principalmente depois de ouvir o intercâmbio maravilhoso que o LE SSERAFIM fez no mesmo dia). A sorte do (G)I-DLE é que o pano de fundo é sempre gostoso de escavar, não importa o quão ruim a música seja.

A Soyeon é um gênio, talvez como nunca tenha tido no kpop antes. Ela consegue pegar referências simples e costurar tudo num ponto-cruz perfeito. Todo mundo já ouviu falar da ópera francesa Carmen, de Georges Bizet, e, principalmente, de Marilyn Monroe, ícone feminino supremo do século passado, mas acredito que ninguém tenha tido a sacada de juntar esses dois tópicos em extremos, como se fosse um fio estendido, e elaborar toda uma crônica sobre nudez entre eles. Pois é isso que Nxde, cujo MV, letra e background são muito mais interessantes que a música em si, essencialmente significa.

Num piano de saloon, Soyeon profere a seguinte frase: por que você pensa isso sobre nudez? Sua visão é tão rude! Pense fora da caixa e você passará a gostar. A abertura que resume muito bem o que estamos prestes a assistir. Até que, de repente, Minnie pula na sua tela emulando Marilyn Monroe em Os Homens Preferem As Loiras, quebrando a quarta parede e debochando da inteligência de quem pensa que ela é apenas uma “loira burra e sexy”. Soyeon já está ciente disso, tanto que ela, no seu camarim, evoca a memória de Lorelei Lee, personagem da Marilyn nesse mesmo filme, mas de uma forma moderna, como uma mulher feita que não precisa de homens. O curioso é que ela está com o livro Leaves of Grass, do poeta norte-americano Walt Whitman, que celebra de forma filosófica todos os aspectos da vida e da humanidade. As Loreleis de hoje não são como a que a Marilyn interpretou no cinema. 

O outro fio condutor de Nxde é o uso da música Habanera, da ópera Carmen. Na verdade, é uma ária que utiliza o estilo musical cubano que se chama habanera, e Carmen, descrita como uma bela cigana que conquistava os corações dos homens por onde passava, na verdade era uma mulher transgressora para o seu tempo, que desafiava a autoridade local e os patrões da fábrica de tabaco na qual trabalhava em Sevilha. No seu lançamento, Carmen recebeu diversas críticas justamente por conta da personalidade da protagonista, que se utilizava da sua beleza e sensualidade para conseguir o que queria. 

Todos os outros elementos que orbitam a temática do MV acabam complementando a visão que a Soyeon imaginou. Ao trazer a ópera para um cenário de cabaré, Nxde acaba juntando o erudito ao popular, coisa que os próprios cabarés faziam durante a Belle Époque. As figuras de sex symbols, como a própria Marilyn ou a Vênus de Milo, discutem as linhas tênues do artístico e do obsceno (até porque o próprio título da música é censurado, apesar de música ser uma forma de arte), cortando exatamente para a era digital e o consumo de tópicos explícitos como pornografia. E é aí que a genialidade da desgraçada da Soyeon entra novamente, já que 아이들 (aideul) também se traduz como criança, que quando se junta ao nome do comeback, suja os searches e evita que pedófilos cometam seus crimes, bem com a disseminação desse tipo de conteúdo. 

Eu poderia passar horas falando sobre como essa canetada é impressionantemente foda, levantando pautas sobre capitalismo com a reprodução da obra auto-destrutiva de Banksy depois de ser leiloada em 2018 e como toda a questão da pornografia se liga ao próprio modelo econômico que temos nos dias de hoje ou, indo mais fundo ainda, como a indústria idol pode ser um enorme turismo sexual por debaixo dos panos e a importância de deixar tudo o mais transparente (nu) possível, por isso eu consigo resumir a brilhante obra do (G)I-DLE com o último verso da música: eu nasci nua; você que é um pervertido. 

Escute também: Change

Por algum motivo, esse novo EP me soa estranho. Daí lembrei que tinha gostado bastante do I Never Die e entendi que o (G)I-DLE é bom mesmo lançando álbuns maiores porque, desse jeito aqui, parece que a criatividade é cortada no meio ou que as melhores músicas foram sacrificadas para escolhas mais seguras. De qualquer modo, o EP tem uma tracklist comum do grupo, explora de tudo um pouco e é majoritariamente escrito pela Soyeon, com algumas contribuições da Minnie, como em Change, uma midtempo com influências oitentistas que vai pro lado dramático e melancólico da coisa toda. É uma boa faixa com bom uso do inglês (o que eu achei estranho até por causa da title), que ocupa a maioria dos versos. As composições da Minnie sempre me agradaram (aconteceu com Moon e Blow Your Mind), não seria diferente dessa vez. 

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10 comentários

  1. Rafa, se tu soubesse o quão ansiosa eu estava pra ler esse post desde que você postou o quanto idle te inspira a escrever… não só por isso, mas porque eu sabia que você ia entrar a fundo nesse conceito todo de Nxde perfeitamente. Sério mulher, QUE POST, eu absolutamente vejo exatamente tudo o que você apontou e concordo que a Soyeon é, com toda a certeza, o maior gênio dessa geração

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  2. vi uns comentários dizendo que na verdade ela usou “nude” não no sentido literal da palavra mas sim como o nome da personagem que engloba tudo isso, meio que o que ela fez com a “windy” no solo dela

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  3. Desde o seu último post sobre o G-Idle eu estava bem ansiosa pra ver você comentando o comeback delas, fico muito feliz de não ter me decepcionado porque ler você falando sobre Nxde me empolgou mais do que a música em si. Sobre o EP, concordo com isso de elas trabalharem melhor com álbuns mais longos, mas acho bem estranho que mesmo as b-sides desse sendo tudo meio arroz com feijão elas me empolgaram mais que a faixa título (provavelmente porque a expectativa só te fode mesmo).

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  4. O fato de o g-idle sempre ter tido uma certa independência criativa e ter uma produtora como integrante realmente fez delas um grupo muito único nessa geração, gosto muito de como essa era se encaixa também com a própria trajetória delas dentro do kpop e com os posicionamentos pessoais das integrantes. Eu tive a mesma sensação sobre o mv dessa era mas não estava conseguindo colocar em palavras, seu texto está maravilhoso e a maneira como você junta tudo me fez lembrar da análise que a professora Eneida Queiroz fez da exposição do Museu d´Orsay, Paris sobre prostituição na França do fim do século XIX

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  5. Não sou de panfletar meus idols aqui, mas gostaria muito de saber sua opinião sobre os seguintes mv´s/músicas:

    Debut solo da Jiae (ex Wassup)https://www.youtube.com/watch?v=nuZ8xAG_l2A

    Comeback da Serri (ex Dalshabet)https://www.youtube.com/watch?v=FCWUGhVX-D4

    Essa eu conheci agora e gostei muito: EruhWahttps://www.youtube.com/watch?v=ApPEWdFSwXU

    Grata!

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