DJ Put It Back On | Lady Gaga – Alejandro

Contrariando todas as expectativas, aparentemente ela vem, sim! Hoje, inclusive. Lady Gaga já está em solo brasileiro depois de oito anos do fiasco do Rock in Rio (Brazil I’m devastated…) pra realizar um show de graça nas areias de Copacabana, seguindo a tradição estabelecida pelo Madonnaço no ano passado. Nesse momento, milhões de homossexuais e simpatizantes ocupam seus postos de frente ao palco gigantesco que foi montado na praia, alguns acampando por lá por dias e dias. Era pra eu ser uma dessas pessoas. Pena que todos os meus amigos desanimaram da ideia de viajar pro Rio e eu vou ter que assistir pela TV de casa usando minha camiseta surrada do Chromatica. 

Em comemoração ao Gagacabana, resolvi utilizar esse espaço do blog pra comentar sobre a minha relação com a cantora, minha eventual música favorita do seu extenso catálogo e refletir sobre algumas coisas mais a respeito da sua importância para a cultura pop. 

Eu conheci a Lady Gaga numa madrugada qualquer de 2008. Lembro de estar passando uma das minhas férias em Diadema (como sempre) e, naquela noite, por algum motivo, eu e a minha prima mais velha resolvemos nos amontoar nos colchões ao pé da cama da minha tia. Talvez pelo computador ficar lá e nós ficávamos revezando pra olhar o Orkut e conversar no MSN até minha tia dizer que era hora de desligar tudo. Então a gente deitou pra assistir a televisãozinha de 14 polegadas. Eu adorava ver MTV nesse horário, normalmente tinha reprises do Top Top ou clipes aleatórios, e foi numa dessas que meus olhos cruzaram com Just Dance, a música de estreia da Gaga. 

Pra contexto, eu sempre fui uma adolescente roqueirinha. Era um prazer destilar todo o meu conhecimento sobre bandas pras pessoas, ainda que eu soubesse muito pouco sobre o que eu estava falando; coisa de jovem imaturo. Por isso, eu preferia morrer do que assumir que eu gostava de qualquer coisa mais pop e comercial. Claro, eu ouvia. Mas ninguém precisava saber. Com Just Dance, eu senti algo dar um salto no meu estômago, se retorcer por completo e me sufocar de dentro pra fora. Assistir aquela loira de raio azul na cara, se esfregando com uma baleia de borracha numa piscina infantil e fazendo movimentos frenéticos, quase epilépticos, pra câmera mudou um pouco a química do meu cérebro. Depois daquela madrugada de 2008, mesmo que eu tentasse negar até o fim da vida, eu sabia que não era mais a mesma. 

Lady Gaga foi minha primeira crush. Inadmissível

Eu ficava completamente hipnotizada com qualquer videoclipe ou performance que eu me deparava na TV. Em Poker Face, com a língua afiada e o collant azul perfeitamente cavado no corpo dela. Em LoveGame, trocando amassos com policiais (homens e mulheres) na cabine telefônica. Em Paparazzi, onde ela adquiriu o status de celebridade diabólica e eu não podia deixar de ficar intrigada com todas as insinuações (e cenas explícitas) da Gaga beijando pessoas de língua e encenando dificuldades pra caminhar naquele traje metálico. Lembro da minha mãe até hoje dizendo o quão ofensivo aquilo parecia. Eu não conseguia dizer nada. Meus olhos estavam fixos no Top TVZ daquele sábado. 

Ninguém poderia saber que eu gostava da Lady Gaga. Não enquanto eu ouvia coisas muito mais sérias, não enquanto eu fazia um trabalho detalhado pra aula de inglês sobre a importância dos Beatles para a música. E ninguém poderia saber que, de repente, eu sentia algo por garotas. 

O choque da descoberta foi tanto que, em 2011, eu sequer soube que o Born This Way tinha saído. E nem o Artpop, dois anos depois. Não quis acompanhar nada, ainda estava em negação. Era inconcebível, pra mim, que uma cantora que nem era do meu nicho musical ter invadido tanto a minha vida, de forma sorrateira, e ter me obrigado a investigar tantas coisas sobre mim que eu nunca cogitei. Como assim eu não gosto só de rock? Como assim eu também me interesso por meninas? Só fui revisitar a Gaga em 2016, quando me deparei com o Artpop numa Livraria Cultura e resolvi levar pra casa. Eu já era adulta. Talvez fosse o momento de confrontar algumas questões internas. 

Estar no auge do movimento Fora Temer e todo aquele Manuela Dias-core que a segunda metade da década passada atravessou ajudou um pouco. A essa altura, era muito importante ser desconstruído, então eu estava no timing pra admitir que a Lady Gaga era uma boa artista, sim, e que os Beatles eram ruins e etc. Também estava na hora de sair do armário, mesmo que fosse metade do corpo pra fora. Consumi a discografia da Lady Gaga como se fosse um nômade perdido no deserto que encontrou uma fonte de água limpa, memórias das minhas próprias descobertas inundando minha mente, lembrando de como cada uma dessas músicas mais antigas fizeram parte da minha construção pessoal. 

Alejandro, no entanto, era a melhor delas.

Quando Alejandro saiu, eu tinha quase 15 anos. Uma das minhas amigas ficava com um garoto lá do colégio um ano mais velho que a gente e o nome dele era Alexandre e era bem comum provocar ele cantando essa música, mas, no fundo, eu adorava. Eu sentia como se um milhão de formigas marchassem pelo meu corpo toda vez que as meninas entoavam “Alejandro, Alejandro” pra ele, me segurando pra não me empolgar demais e performar na frente de todas elas. Falando assim, parece idiota. E, de fato, é. Não sei o que passava na minha cabeça, eu só queria ser aceita. 

Mas, depois de adulta, eu podia analisar todos os aspectos da música e do clipe no meu próprio notebook, no conforto do meu quarto. Acho que Alejandro é a Like a Prayer da Gaga, no sentido provocativo da coisa. Em 2010, os tablóides já chamavam ela de satanista, diziam que ela era “hermafrodita” e tinha pacto com o diabo, coisas assim. Lançar um clipe que elevasse todos os grandes “elogios” que recebia da mídia todos os dias não só foi um movimento de bolas de aço, como também se equipara muito à rainha do pop durante os anos 80. E, tudo bem, adoramos divas disruptivas por aqui. 

Alejandro é de uma época em que os jovenzinhos de hoje talvez se horrorizassem. Ela graficamente discute sexo, tanto como o desejo da carne e os prazeres mundanos, quanto um ato de extrema intimidade e conexão. E como isso é intrinsecamente ligado à religião, como o cristianismo pode parecer, ahm, erótico, e uma enorme fonte de fantasias sexuais. Engraçado pensar onde estamos hoje em dia. Jovens cada vez mais conservadores, avessos ao sexo ou a qualquer outra ideia “subversiva” faz com que Alejandro faça a volta e se torne tão transgressora quanto Like a Prayer foi. Isso me faz pensar que nós vivemos ciclos e ciclos de trocas de ideais cada vez mais curtos. Quer dizer, 2010 foi há 15 anos. Não é tanto tempo assim

O clipe também tem um contexto de guerra, talvez a invasão dos remanescentes do nazismo após a derrocada do Hitler numa Argentina mid-1940, levando em consideração que os amantes da Gaga na música possuem nomes latinos. Apesar da imagem de “apologia”, na verdade Alejandro é o oposto disso. Temos mulheres em posição de poder, dominadoras, liderando um exército de homens que não performam a masculinidade esperada. Que são submissos a Gaga na cama, que respeitam e reverenciam sua figura exatamente como ela é, quase de forma sagrada. 

Um artigo no The Guardian chamado “Quem está mais ofendido com o clipe de Alejandro?” prova justamente a maneira como a Gaga era destrinchada pela mídia da época. Não parece tão alarmante quanto o conservadorismo de hoje; acho até graça. O autor elenca vários grupos que poderiam se ofender com os elementos apresentados no vídeo, desde a igreja católica até os cabeleireiros (por conta dos cortes tigelinhas dos dançarinos). No final de um texto longo e com imagens, ele diz que também vai se incluir na lista porque gravar um clipe de nove minutos e o resultado ser algo tão chato é digno de se ofender. Falar da Lady Gaga rendia cliques. O pessoal se ocupava demais em escavar todos os lançamentos recentes e darem um ultimato sobre o quão nojenta ela era. 

Musicalmente, Alejandro é influenciado pelo ABBA, outro grupo que, no seu auge, era odiado, e hoje em dia tem sua discografia como um forte símbolo da comunidade queer. A gravadora não queria lançar como single por conta da fraca performance nas rádios e, no lugar, vieram com Dance in the Dark (que é boa, assim como o restante do The Fame Monster, mas nem de longe é memorável do mesmo jeito). Alejandro cai numa caixinha de faixas que a Gaga gravou fora da sua zona de conforto. Ela tem os elementos do electropop, mas não explode como os singles anteriores; é uma música mais sóbria, com certa veia teatral do musical Cabaret, sobre um amor que já se foi há muito tempo e que ela não tem mais interesse. É um hino feminista antes mesmo que o assunto bombardeasse a mídia. 

Obviamente, Alejandro não me arrancou do armário nem na segunda vez que tive contato com ela. Demorou ainda mais um tempo até que eu pudesse admitir pra mim mesma que, sim, meninas despertavam meu interesse ao mesmo nível que homens, mas redescobrir a Lady Gaga oito anos depois da primeira vez me fez refletir. Eu finalmente entendi o poder que um artista pode ter sobre uma pessoa, quando dizem que a Gaga é a grande responsável por fazer alguém se assumir, ou se sentir mais livre dentro da própria pele. Achei que era bobagem, mas não. As peças caíram nos devidos lugares em algum momento da minha fase adulta. Lady Gaga foi minha primeira crush e ainda bem que foi ela. 

Obrigada, Mother Monster. Bom show hoje a noite. 

Bluesky | Twitter

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