Mês passado, eu usei esse espaço pra contar a minha relação pessoal e íntima com a música e como algumas são tão importantes a ponto de serem trilhas sonoras pra acontecimentos da minha vida. Na verdade, o SabadOFF existe exatamente pra eu falar de coisas que eu gosto fora dessa esfera do pop asiático, mas, na maioria das vezes, tudo se resume à música pra mim, porque eu sempre deixo algo tocando de fundo, não importa se é um álbum novo ou uma faixa que eu já escutei 300 vezes (como aconteceu essa semana quando relembrei essa pérola aqui). Então, pra edição de agosto, resolvi tomar um dos períodos da minha vida como tema e discorrer sobre ele.
Naquele post, eu falo sobre como meus 13 anos foram, de alguma forma, revolucionários. Foi nessa época que eu realmente passei a descobrir música por conta própria, correndo atrás, pesquisando, sem influência do meu pai ou da televisão. Eu era bem nerdzinha idiota nesse aspecto, me achava uma enciclopédia musical e gostava muito de punk, a ponto de pedir pros meus pais me matricularem numa escola de música pra aprender a tocar baixo (que doideira né, a gente mal tinha dinheiro pra pagar as contas). Quando paro pra processar essa parte do meu passado, apesar de todo o mal que aconteceu, me bate uma saudade da ingenuidade que eu tinha de achar que eu sabia de tudo, principalmente quando o assunto era música.
Já tem uns 15 anos que eu não mexo nessas memórias musicais, então pra comemorar o marco importante (e aproveitando que agosto também tem o dia dos pais, já que foi meu pai o grande responsável pelo meu interesse no assunto), resolvi listar os meus dez álbuns preferidos do punk rock e seus derivados, porque é um gênero extremamente abrangente e meio que se refez ao longo dos anos, inclusive vivendo dias de “certa glória” enquanto eu adentrava minha adolescência (vocês vão perceber que nenhum álbum dessa época tá nessa lista). E, querendo ou não, foi essencial pra eu chegar até aqui.
10. Bad Religion – Stranger Than Fiction (1994)
melodic hardcore, skate punk, pop punk

Começando com um polêmico, Stranger Than Fiction é um álbum, ahm, estranho do Bad Religion. Por não ser tão agressivo quanto o No Control, ou tão político quanto o Recipe for Hate, ou até tão melódico quanto o The Process of Belief, ele costuma ser o alvo preferido dos fãs, principalmente pra falar como o som deles se tornou vendido depois de assinarem com a Atlantic Records. Foi através desse álbum que eu conheci o Bad Religion e fiquei “agradavelmente surpresa” em escutar uma banda que se dizia punk não fazer as coisas estereotipadas que bandas punk faziam: gritar e tocar rápido. É estranho (e até sexy, de uma forma completamente absurda, eu sei) ouvir o Greg Graffin cantar sobre um relacionamento doentio e abusivo com a voz de quem acabou de acordar em Infected, sucesso que inclusive alavancou o Bad Religion pro mainstream. Aliás, essa é a faixa que me faz ter uma memória afetiva pelo álbum todo, porque ela é tão boa, mas tão boa, que arrasta o restante da tracklist junto. Não é o melhor álbum deles (não é nem o melhor álbum de melodic hardcore deles), mas empolga e é “limpinho” o bastante pra começar.
Recomendações: Stranger Than Fiction, The Handshake, Infected, Inner Logic, 21st Century (Digital Boy)
09. Blondie – Parallel Lines (1978)
new wave, power pop, pop rock

Em 1978, as pessoas queriam duas coisas: ter a Debbie Harry ou ser a Debbie Harry. E ainda que o Blondie seja lido como uma banda precursora da new wave, ser mulher e liderar um bando de homens era a atitude mais punk possível, então era mais que compreensível o movimento de adoração que rolou em torno da figura dela. Eu mesma considero o Parallel Lines o momento mais punk rock da carreira do Blondie, onde eles mesmos já caminhavam pra uma sonoridade menos underground, e a voz rasgada da Debbie Harry perfurava a camada polida e radiofônica de um gênero que havia nascido com eles. Hanging on the Telephone, por exemplo, deve ser uma das maiores e mais violentas aberturas da história da música, presa numa antítese de ser agressiva e suja, mas extremamente carismática e dançante, antítese essa que faz o Parallel Lines ser merecedor de todas as boas críticas que recebe até hoje. Aqui, o Blondie soube dosar as vivências dos tempos de CBGB com a necessidade de fazer seu nome no mercado. Um álbum democrático que até sua mãe gostaria de ouvir.
Recomendações: Hanging on the Telephone, One Way or Another, Will Anything Happen, Heart of Glass
08. Fugazi – 13 Songs (1989)
post hardcore, art punk, experimental rock

Tem esse vídeo clássico no Youtube com o Fugazi performando Waiting Room em Washington, em 1988, e eu gosto muito de um comentário que diz que é como se quatro fugitivos do hospício formassem uma banda e outros fugitivos foram assistir o show. A energia caótica que o Fugazi proporciona na coletânea 13 Songs, junção dos seus dois primeiros EPs, é exatamente essa, se aproveitando do caminho aberto por bandas como Husker Du e Minutemen pra explorar sons agressivos e complexos, junto de frases faladas como uma peça de teatro maluca. Muita gente acha que a banda nunca superou Waiting Room, e acho até comum pensar assim porque é uma música inovadora, obscura, catártica, mas dentro do 13 Songs existem outros números tão legais quanto (apesar de achar que a parte que compõe o primeiro EP ser muito melhor que a segunda). Destaco Suggestion, uma canção de letra feminista brutalmente honesta sobre como os homens agem por conveniência diante de um abuso e como, por consequência, isso é um efeito do machismo (recomendo ouvir acompanhando a letra). Nos anos 80, fazer o mea culpa pra um assunto tão progressista era transgressor e revolucionário.
Recomendações: Waiting Room, Bulldog Front, Give Me The Cure, Suggestion
07. The Muffs – Blonder and Blonder (1995)
power pop, pop rock

Esse foi o álbum responsável por me apresentar a pessoa que tá comigo até hoje, porque a vida é engraçada e é claro que existe alguém perdido nesse país precisando baixar o álbum que eu tinha acabado de postar na comunidade Discografias no Orkut. Você provavelmente nunca ouviu falar em The Muffs, mas eles são a banda “mais famosa em ser desconhecida”, se é que isso faz sentido. Eles tinham um elo em comum com o Green Day, que tinham estourado na cena um ano antes com o Dookie, o pai do pop punk, e esse elo era o produtor Rob Cavallo. Mas os gritos raivosos da Kim Shattuck, que se apropriava muito bem do pop rock meio Brian Wilson dos anos 60 e, principalmente, sabia distorcê-lo em guturais ressonantes, acabariam com as similaridades entre as duas bandas californianas. Por muito tempo, a Kim foi como uma mãe pra mim (quer dizer, eu cortei uma franja em casa por causa dela, era essa foto que eu queria achar pro post). Ela parecia me entender quando berrava em What You’ve Done, ou se deixava levar por uma tristeza avassaladora em Funny Face, ou quando simplesmente era bobinha e deprimida em Sad Tomorrow. Fiquei alguns anos sem ouvir falar deles, mas quando a Kim morreu em 2019, algo dentro de mim morreu também.
Recomendações: Agony, Oh Nina, Sad Tomorrow, What You’ve Done, Laying on a Bed of Roses, Funny Face
06. The Clash – London Calling (1979)
new wave, ska, reggae, rockabilly

Deve ser consenso entre fãs do The Clash e fãs de música num geral que London Calling é o único álbum essencial de um gênero do qual ele não faz parte, mas eu acho uma afirmação tão injusta e até perigosa. London Calling pode não ser tão punk na sua sonoridade, mas é o retrato perfeito das diversas subculturas do Reino Unido na época, abordadas da forma certa. Desilusão operária dos primeiros meses de governo Thatcher presente em Clampdown, um pedaço cativo e respeitoso da Jamaica em Rudie Can’t Fail e a desesperançosa The Guns of Brixton, a ameaça do aquecimento global e a temível guerra fria na faixa título. E obviamente a canção de amor mais inesperadamente bonita está em Spanish Bombs, uma eulogia saudosista ao poeta espanhol Federico García Lorca, assassinado pela milícia durante a Guerra Civil. O dueto entre Joe Strummer e Mick Jones aqui é a coisa mais estranha e emocionante que existe. Ganhei do meu pai uma reedição especial de 25 anos que continha um documentário sobre a produção caótica desse álbum, retratando os três meses da banda presos com o Guy Stevens num estúdio em Londres a fim de fazer o produto mais eclético e revolucionário da época (inclusive, ele morreu dois anos depois, sendo o London Calling seu último trabalho). Em 19 faixas, o The Clash fala de tudo. E fala muito bem.
Recomendações: London Calling, Hateful, Rudie Can’t Fail, Spanish Bombs, Clampdown, The Guns of Brixton, Koka Kola, I’m Not Down
05. Husker Du – Zen Arcade (1984)
post hardcore, hardcore punk, noise rock, alternative rock

Já comentei aqui no blog sobre o Husker Du e como eles eram uma banda a frente do seu tempo, em todos os aspectos. Dois integrantes gays que viviam numa briga eterna pra saber quem era o verdadeiro líder usando a criatividade como arma: quem compusesse mais, mandava. Durante o Zen Arcade, tido por muitos como a obra-prima da banda, as coisas ainda não eram tão intensas a esse ponto. Aliás, esse é um álbum duplo, e os acordes agressivos com maior complexidade fez com que o Husker Du se tornasse um dos pilares do post hardcore, deixando espaço pra que todo mundo envolvido conseguisse explorar os limites das suas habilidades musicais. É aqui que uma das faixas mais poderosas com o nome do Grant Hart mora. Pink Turns to Blue discorre brilhantemente em um pouco mais de dois minutos os efeitos devastadores do vício em drogas; o refrão assombrado, possuído por uma entidade sobrenatural em cima de uma guitarra escandalosa, diz não saber o que fazer agora que a pele, antes “rosa”, se tornou “azul”. Dois anos depois, o Husker Du ficaria melancólico demais (sem deixar de ser bom), então o Zen Arcade é o momento mais genuíno que três moleques com instrumentos podiam oferecer.
Recomendações: Something I Learned Today, Never Talking to You Again, What’s Going On, Somewhere, Pink Turns to Blue, Whatever
04. The Offspring – Smash (1994)
skate punk, pop punk, alternative rock, melodic hardcore

A título de curiosidade, esse álbum é o mais vendido da história da música a ser lançado por uma gravadora independente. Uma conquista que precisa ser entendida antes de criticada. Se o Smash me arrebatou em 2008, quem dirá 14 anos antes, quando, junto do Green Day, inaugurava uma nova geração de jovens revoltados não só com os problemas do mundo, mas também seus próprios problemas, muitas vezes causados por essa mesma sociedade. Frequentemente, quando eu escuto músicas como Self Esteem ou Nitro (Youth Energy), eu imagino o poder que adolescentes estadunidenses dos anos 90 tinham nas mãos ao saber que existiam pessoas como os caras do The Offspring cantando suas exatas dores. Quer dizer, é muito comum ser traído pela namorada e a dependência emocional pesar tanto a ponto de não conseguir terminar o relacionamento, mas que homem tinha coragem de contar isso pelos quatro cantos? É engraçado que o contexto todo do surgimento desse álbum parte exatamente do nome da banda: offspring é um termo designado a filhos de famílias de classe média, justamente a quem o som do Smash se direcionava. O futuro PhD do vocalista Dexter Holland em biologia molecular mostraria que jovens entupidos de raiva da década retrasada conseguem sim ser algo além disso.
Recomendações: Nitro (Youth Energy), Bad Habit, Gotta Get Away, Genocide, Come Out and Play, Self Esteem
03. NOFX – The Decline (1999)
melodic hardcore, skate punk

Se fosse pra levar as palavras desse post ao pé da letra, não era pra The Decline aparecer. Mas não tem como ignorar a grande epopeia de mais de 18 minutos que o NOFX escreveu logo no fim do último ano antes da virada do milênio, onde ninguém era capaz de imaginar o que viria a seguir. The Decline se agarra em todas as características que fizeram dos EUA, até ali, não só o pior lugar pra se viver como também o principal responsável por levar o restante do mundo pro buraco. Alienação das massas, porte de arma, abuso de drogas, ineficiência da justiça, o fracasso do capitalismo, minorias sociais, militarismo, infração dos direitos humanos. O “sonho americano” desce pela privada durante as oito seções que dividem The Decline e fazem com que seja uma das músicas mais desesperançosas que existem. É como se o NOFX estivesse se preparando pra profecia de Nostradamus se concretizar, e a culpa era totalmente dos EUA pela sua ganância em conquistar o globo. Ainda que tenha sido feita em 1999, é incrível como The Decline continua atual. É o grande hino político pré-Torres Gêmeas e pré-Bush que todo mundo deveria conhecer.
02. Titãs – Cabeça Dinossauro (1986)
dance punk, funk rock, new wave, ska

Cabeça Dinossauro talvez seja o álbum mais importante da música brasileira quando a gente fala do processo de redemocratização do país. Em 1986, o Brasil era regido por uma emenda constitucional, consequência do movimento Diretas Já, e todo esse contexto, junto às prisões do Arnaldo Antunes e do Tony Bellotto, além do fracasso do trabalho anterior, deu espaço pra que um álbum cru e violento surgisse. Lembro de ter conhecido isso através do meu pai e eu, que ainda tinha um certo preconceito com a música brasileira, fiquei abismada. Os questionamentos de Igreja, que eram parecidos com os meus, me fez entender que nem sempre a fé é o que nos resta; Polícia me abriu a consciência de que o sistema não é tão preto no branco assim; e, principalmente, Bichos Escrotos, com Paulo Miklos berrando o verso maravilhoso “oncinha pintada, zebrinha listrada, coelhinho peludo: vão se foder!” me tirou do eixo ao me apresentar um Brasil que eu ainda não tinha visto. É incrível como um álbum feito pra afastar as pessoas consegue soar tão simpático e verdadeiro consigo mesmo e com o período em que era inserido, fazendo uma garota nascida nove anos depois parte desse universo.
Recomendações: Cabeça Dinossauro, AA UU, Igreja, Polícia, Porrada, Bichos Escrotos, Família, Homem Primata
01. Green Day – Insomniac (1995)
hardcore punk, pop punk, alternative rock

O que é mais impressionante do que o álbum lançado antes de você nascer te incluir no universo dele? Um álbum lançado meses depois do seu nascimento e se incluir no seu universo. Green Day foi minha banda favorita durante toda essa primeira fase da adolescência, quando a gente não sabe bem o que é e precisa de ajuda pra descobrir. No meu caso, a ajuda veio não com o Insomniac, mas com coisas tipo American Idiot, que me despertou o interesse em ler mais sobre os acontecimentos do mundo. Na verdade, a minha identificação com esse álbum aqui foi aumentando ao longo dos anos; é um trabalho que exige certa maturidade e conhecimento de si mesmo pra ser aproveitado. Em contexto, o Insomniac é uma resposta amarga pra todos aqueles que achavam que eles tinham se vendido e como a fama nem sempre é uma coisa boa (Stuck With Me, 86). Assuntos como perda de identidade (Armatage Shanks), vício em drogas (Geek Stink Breath), insônia (Brain Stew) e crises de ansiedade (Panic Song) são tratados com a brutalidade genuína dos jovens que se encontram em situações parecidas. Pessimismo é um sentimento que permeia o álbum todo, principalmente em No Pride, faixa digna de pena. O amor também ganha espaço aqui, da forma que o Billie Joe Armstrong sabia cantar, sendo arrebatado pela desilusão de um término (Stuart and the Ave) e o começo de uma nova vida (Westbound Sign). Mas quem brilha mesmo aqui é a irônica Walking Contradiction, uma crítica aos modos noventistas de se viver com um clipe inacreditável. Um ano antes, eles podem ter batizado o pop punk, mas a verdadeira estrela da discografia do Green Day e do gênero em geral é o Insomniac, um álbum que só se funde mais com a minha essência a cada ano que passa.
Recomendações: Armatage Shanks, Brat, Stuck With Me, Geek Stink Breath, No Pride, 86, Panic Song, Stuart and the Ave, Brain Stew, Westbound Sign, Walking Contradiction

Vocês sabiam que agora eu vendo minhas artes? Lá na Colab55 tem algumas opções de produtos com estampas que eu fiz e você pode comprar pra ajudar essa pobre coitada que escreve o blog.
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Seu gosto musical é uma delícia, Rafa
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ain ❤
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